Na encruzilhada descolonial: as colagens afrofuturísticas de Luiz Gustavo Nostalgia como materialização artística do cruzo.

  • Priscila Arantes Universidade Anhembi Morumbi
  • Cynthia Nunes Universidade Anhembi Morumbi
  • Marcos Steagall  (Translator) Auckland University of Technology

Resumo

A tarefa de rever os silêncios presentes nas histórias hegemônicas surge no início do século XX, buscando proporcionar uma forma mais ampla de compreender a história dos povos e nações submetidos à subjugação colonial. Rufino (2019) considera que esse espaço de descolonização se apresenta com o nome de “encruzilhada” e entende as potencialidades do orixá Exu, da espiritualidade iorubá: o orixá da comunicação, dos caminhos e o guardião do axé (energia vital). Exu desorganiza o que existe para reconstruir - portanto, sendo a encruzilhada o lugar de Exu, é um espaço que permite o cruzamento de saberes produzidos como desvios das imposições coloniais sobre os ditos saberes oficiais. Esse processo o autor denomina de “cruzo”: a encruzilhada é uma recusa a tudo posto como absoluto; e Exu é o movimento dessa encruzilhada. Além da positivação dos saberes e modos de viver de povos que sofreram, ao longo dos séculos, inúmeros processos de inferioridade, é necessário inserir esse conhecimento nos elementos culturais do presente e nas concepções sobre o futuro. É neste contexto que, no que diz respeito à experiência dos povos afro-diaspóricos, surge um movimento estético global que engloba as artes, a literatura, o audiovisual e a investigação acadêmica: o Afrofuturismo (YASZEK, 2013). O objetivo do Afrofuturismo é conectar os dilemas da diáspora africana às inovações tecnológicas, comumente indisponíveis aos descendentes dos escravos, visando estabelecer possíveis cenários futuros - cenários que contemplem a presença e, ainda, o protagonismo dos negros (YASZEK, 2013). Para tanto, o movimento rompe com a cronologia linear ocidental e passa a considerar o tempo de forma cíclica, entrelaçando passado, presente e futuro em uma única composição. Da mesma forma que Exu, na cosmologia iorubá, matou um pássaro ontem com Pedra que só hoje foi lançada, o Afrofuturismo tece uma teia de retomada histórica e cultural da memória africana com questões que surgem da reflexão sobre os problemas enfrentados pelos negros no presente, para pensar um futuro positivo e possível, uma vez que um cenário distópico já está pesando sobre eles. Na fronteira das artes visuais e do design, Luiz Gustavo Nostalgia, criador baseado no Rio de Janeiro, desmonta imagens existentes e as reorganiza por meio de colagens para criar uma nova intenção de sentido. Sua obra evoca o cruzo sobre o princípio do rearranjo - central nas colagens - com o rearranjo generalizado de nossas formas de viver e compreender a sociedade - a partir de uma concepção afrofuturística de mundo - celebrando motivos africanos, cultura e espiritualidade, aliados à já conhecidas estética do “futuro” (como a galáxia, luzes brilhantes e elementos robóticos). Através de sua criação, o artista é capaz de apresentar um futuro no qual os negros existam como protagonistas e tenham sua cultura, passado e raízes celebradas.

Publicado
2021-12-04