Crunch: análise do fenômeno no cenário de desenvolvimento de games independentes

  • Sergio Nesteriuk Universidade Anhembi Morumbi
  • Daniel Prieto Universidade Anhembi Morumbi
  • Marcos Steagall  (Translator) Auckland University of Technology

Resumo

Este artigo apresenta argumentos para explicar a complexidade de se desenvolver e produzir um game digital (SCHREIER, 2018), que pode culminar em práticas trabalhistas insalubres conhecidas como "crunch time" ou, simplesmente, "crunch". Durante o período crítico, os funcionários costumam trabalhar até 90 horas por semana, geralmente com a aproximação da data de lançamento ou quando há um evento de marketing pela frente — por exemplo, a Electronic Entertainment Expo. No entanto, não é incomum que os estúdios funcionem por anos em uma agenda apertada. Um exemplo bem conhecido recente foi o Cyberpunk 2077 (CD Projekt Red, 2020), que teve funcionários denunciando anos de gestão abusiva. Outro exemplo proeminente é a Naughty Dog, LLC da Sony, famosa por sua cultura de trabalho excessiva. O fenômeno também não é recente; recebeu atenção do público pela primeira vez em 2004, quando o cônjuge de uma funcionária da EA relatou os danos causados em seu domicílio pela cultura de trabalho na empresa (HOFFMAN, 2006). Identificamos uma conexão direta entre as incidências de “crunch” a fatores socioculturais específicos presentes na indústria de games e as relações de dependência — criativa, financeira e editorial (GARDA & GRABARCZYK, 2016). Afirmamos que a cultura empresarial e laboral na indústria dos videojogos culmina em efeitos negativos nas vidas pessoais e na saúde mental dos seus colaboradores. Woodcock (2020) também vincula a cultura crunch a uma condição sexista de empregabilidade, alegando que a indústria evita contratar mulheres, que são mais propensas a ter obrigações domésticas e, portanto, são incapazes de lidar com o crunch. Buscamos entender se há correlação entre alta incidência de crunch, pressão dos financiadores e prazos inflexíveis. Especulamos, com base no trabalho de Schreier (2018) e analisando as histórias por trás do desenvolvimento do aclamado “Stardew Valley” (BARONE, 2016), que, mesmo sem pressão externa, o crunch ainda pode acontecer. O trabalho de Han (2017) afirma o "sujeito da realização" como aquele que não distingue o trabalho da sua vida pessoal, posicionando o desenvolvedor de videogame independente como aquele que está sempre competindo consigo mesmo, explorando-se à exaustão. Isso se agrava, pois, de acordo com Edholm e Lindström (2016), o crunch time já é considerado um "mal necessário" pelos trabalhadores da indústria e é ensinado a aspirantes a desenvolvedores de jogos nas universidades (ANTHROPY, 2012). Em 2019, a International Game Developers Association divulgou que 42% dos funcionários da indústria de jogos foram submetidos ao crunch, e apenas 8% deles foram compensados pelas horas extras. Cote e Harris (2020) também afirmam que a maioria dos profissionais da indústria de jogos deve deixar seus empregos entre 3 e 9 anos de trabalho. Por meio de uma revisão da literatura e da análise de documentos post mortem, este artigo apresenta aspectos que influenciam este comportamento e mostra exemplos de como pode afetar a vida e a saúde mental de um trabalhador. Este artigo atribui a alta incidência da síndrome de burnout entre trabalhadores da indústria de videogames e o alto número de funcionários que abandonam a indústria de videogames na hora do aperto. No cenário independente, investigamos como fatores socioculturais podem contribuir para uma relação (não) saudável com o trabalho.

Publicado
2021-12-05