Entre ausência e presença: a realidade aumentada como poética de autoficção

  • Rafaelle Ribeiro Rabello UFPA Federal University of Para
  • Marcos Steagall  (Translator) Auckland University of Technology

Resumo

Este texto constitui um recorte da pesquisa de doutorado concluída em 2021, desenvolvida na Linha de Poéticas e Processos da Performance nas Artes (PPGARTES-UFPA), e apresentará uma reflexão conceitual sobre o processo criativo que se desdobrou poeticamente a partir da apropriação de um antigo álbum de fotos de família. O álbum em questão passou a ser observado como um lugar de sobreposição de tempo e espaço, desencadeando um movimento interno de pertencimento ao se apresentar como um lugar de poder poético, devido às evidências físicas que dele emergiam. Por meio da Realidade Aumentada, os espaços vazios deixados pelo tempo foram ocupados, acompanhando as faixas e contando outra narrativa por meio de camadas visuais, textuais e sonoras, reconfigurando, assim, o álbum, que se expandiu e tornou-se um espaço vivo da memória, ativado pela experiência cíbrida. A maneira de enfrentar a presença da ausência e, ao mesmo tempo, a ausência da presença, provocou em mim um movimento interior de querer cada vez mais pertencer àquele espaço. Inúmeras vezes aproximei-me desse álbum, e sempre me preocupei com suas lacunas e vazios em sua narrativa. E, por um repentino sentimento de pertencer àquele espaço, comecei a preencher seu “silêncio” e a me tornar parte daquele lugar. Venho chamando este ato de movimento poético de autoficção. Este conceito é amplamente discutido no livro “Ensaios de autoficção”, organizado por Jovita Maria Gerheim, e perpassou minha pesquisa, apropriando-me e utilizando-o como conceito operativo, constituindo, assim, um movimento que se deu pela apropriação de um objeto, intervindo em uma forma poética, a partir da qual me tornei personagem, manifestando-me subjetivamente na narrativa ficcional. Portanto, articulei-me entre a linguagem fotográfica e outros recursos operacionais que os dispositivos móveis possibilitaram, de forma a recriar o espaço em fusões com o passado e o contemporâneo, em um movimento de mesclagem de memórias. O álbum apresentou-se como um espaço desconstruído pela ação do tempo e dos sujeitos, e, através do movimento poético, desencadeei uma série de acontecimentos, sobrepondo diferentes tempos e espaços, inserindo arquivos fotográficos, vídeos, textos e sons, que ativaram esse lugar como organismo vivo, revelando uma nova experiência com a memória. O processo de reconfiguração deste espaço foi desencadeado exclusivamente por meios digitais. A ideia do movimento poético da autoficção surgiu, justamente, porque trouxe produções fotográficas próprias em um mix com as fotografias já presentes no álbum. Este cruzamento de autoria que se desdobra na apresentação de outra narrativa, que me inclui ora como personagem presente, ora como agente oculto, permitiu-me viajar pela cadeia da memória e sentir-me pertencente àquele espaço-tempo. Ao querer penetrar num passado que não era meu, desencadeando camadas subjetivas de informações produzidas no interstício da realidade e da ficção que a fotografia me permitia, pude perceber o álbum para além de um espaço de memória — como um lugar de experiência que se abriu e estava disponível para intervenções.

Publicado
2021-12-05